Epigrama No. 8
Encostei-me a ti, sabendo bem que eras somente
onda.
Sabendo bem que eras nuvem, depus a minha
vida em ti.
Como sabia bem tudo isso, e dei-me ao teu
destino frágil,
fiquei sem poder chorar, quando caí.
( Cecília Meireles )
Consoada
Quando a Indesejada das gentes chegar
(Não sei se dura ou caroável),
talvez eu tenha medo.
Talvez sorria, ou diga:
- Alô, iniludível!
O meu dia foi bom, pode a noite descer.
(A noite com os seus sortilégios.)
Encontrará lavrado o campo, a casa limpa,
A mesa posta,
Com cada coisa em seu lugar.
( Manuel Bandeira )
ENTRE
Entre a coisa e o nome, a coisa
Entre o vinho e a taça, o vinho
Entre a boca e o batom, a boca
Entre a mão e a luva, a mão
Entre o pé e o salto, o pé
Entre a pele e o pano, a pele
Entre nós, nada
( Chagall )
Não Te Amo Como Se Fosses A Rosa de Sal
Não te amo como se fosses a rosa de sal,
topázio
Ou flechas de cravos que propagam o fogo:
Te amo como se amam certas coisas obscuras,
Secretamente, entre a sombra e a alma.
Te amo como a planta que não floresce e
leva
Dentro de si, oculta, a luz daquelas
flores,
E graças a teu amor vive escuro em meu
corpo
O apertado aroma que ascendeu da terra.
Te amo sem saber como, nem quando, nem
onde,
Te amo assim diretamente sem problemas nem
orgulho:
Assim te amo porque não sei amar de outra
maneira,
Senão assim deste modo que não sou nem és,
Tão perto que tua mão sobre o meu peito é
minha,
Tão perto que se fecham teus olhos com meu
sonho.
(Pablo Neruda)
Já Não Se Encantarão Meus Olhos Em Teus
Olhos
Já não se encantarão meus olhos em teus
olhos
Já não se achará doce minha dor ao teu lado
Mas por onde eu caminhe levarei teu olhar
E para onde tu fores levarás minha dor.
Fui teu, foste minha. Que mais? Juntos fizemos
Um desvio na rota por onde amor passou
Fui teu, foste minha Tu serás de quem te
ame,
Do que corte em teu horto aquilo que eu
plantei.
Eu me vou. Estou triste. Mas eu sempre
estou triste
Eu venho dos teus braços. Não sei para onde
vou
... Desce teu coração diz adeus um menino
E eu lhe digo adeus.
( Pablo Neruda, in Crespulário )
“O lunático, o apaixonado e o poeta
Têm todos grande imaginação
Um, vê mais demônios que pode conter
O vasto inferno;
Este é o lunático; o apaixonado,
Igualmente frenético, vê a beleza
De Helena numa fronte egípcia;
Os olhos do poeta, movendo-se em exaltação,
Olham do céu para a terra, da terra para o
céu
E, à medida que a imaginação dá substância
Às formas de coisas desconhecidas, a pena
Do poeta as transforma em figuras
E dá ao etéreo nada uma habitação e um nome
São tais os enganos da imaginação.
Que ao apreender alguma alegria
Compreende um portador desse júbilo;
Ou à noite, imaginando algum temor
Quão fácil é tomar um arbusto por um urso!”
(
William Shakespeare )
VERSOS
ÍNTIMOS
Vês ?! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão - esta pantera -
Foi tua companheira inseparável !
Acostuma-te à lama que te espera !
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
Toma um fósforo. Acende teu cigarro !
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija !
(AUGUSTO DOS ANJOS)
PEQUENO POEMA DIDÁTICO
O tempo é indivisível. Dize,
Qual o sentido do calendário?
Tombam as folhas e fica a árvore,
Contra o vento incerto e vário.
A vida é indivisível. Mesmo
A que se julga mais dispersa
E pertence a um eterno diálogo
A mais inconsequente conversa
Todos os poemas são um mesmo poema,
Todos os porres são o mesmo porre,
Não é de uma vez que se morre...
Todas as horas são horas extremas!
Todos os encontros são adeuses...
(MÁRIO QUINTANA)
DA DISCRIÇÃO
Não te abras com teu amigo
Que ele um outro amigo tem.
E o amigo do teu amigo
Possui amigos também...
(Mário Quintana)
Dogma E Ritual
Os dogmas assustam como trovões
e que medo de errar a sequência dos ritos!
Em compensação,
Deus é mais simples do que as religiões.
(Mário Quintana)
O Autorretrato
No retrato que me faço
-traço a traço-
às vezes me pinto nuvem...
às vezes me pinto árvore.
Às vezes me pinto coisas
De que nem há mais lembrança...
Ou coisas que não existem
Mas que um dia existirão...
E ,desta lida, em que busco
-pouco a pouco-
minha eterna semelhança...
no final, que restará?
Um desenho de criança...
Corrigido por um louco!
(Mário Quintana)
O HOMEM NO ESPELHO
Por acaso, surpreendo-me no espelho: quem é esse
Que me olha e é tão mais velho do que eu?
Porém, seu rosto... é cada vez menos
estranho...
Meu Deus, meu Deus...Parece
Meu velho pai – que já morreu!
Como pude ficarmos assim?
Nosso olhar – duro – interroga:
“O que fizeste de mim?!”
Eu, pai?!Tu é que me invadiste,
Lentamente, ruga a ruga... Que importa?!Eu
sou, ainda,
Aquele mesmo menino teimoso de sempre
E os teus planos enfim lá se foram por
terra.
Mas sei que vi, um dia – a longa, a inútil
guerra! –
Vi sorrir, nesses cansados olhos, um
orgulho triste...
( Mário Quintana, in A Cor do Invisível )
Céu
A criança olha
Para o céu azul.
Levanta a mãozinha,
Quer tocar o céu.
Não sente a criança
Que o céu é ilusão:
Crê que o não alcança,
Quando o tem na mão.
(Manuel Bandeira)
Lua adversa
Tenho fases, como a lua
Fases de andar escondida,
fases de vir para a rua...
Perdição da minha vida!
Perdição da vida minha!
Tenho fases de ser tua,
tenho outras de ser sozinha .
Fases que vão e que vêm,
no secreto calendário
que um astrólogo arbitrário
inventou para meu uso.
E roda a melancolia
seu interminável fuso!
Não me encontro com ninguém
(tenho fases, como a lua...)
No dia de alguém ser meu
não é dia de eu ser sua...
E, quando chega esse dia,
o outro desapareceu...
( Cecília Meireles )